Por Maria Gabriela Verediano, em Obvious
"Mãe, a vida tem compromissos urgentes e
sérios. Obrigada por ter me avisado e me mostrado cada um deles.
Obrigada por não ter omitido de mim as durezas do mundo. Obrigada por
não ter me protegido. Você preferiu as hipérboles do que os eufemismos.
Sempre te achei exagerada. Dramática. Eu sei que não foi fácil para você
assistir cada queda, cada erro meu. Sei que eu quis te culpar por não
ser como as outras mães que afagavam as filhas. Você foi forte. Você me
deixava chorar sozinha e depois passava Merthiolate. Merthiolate ardia
“pra caramba”, mãe. Você dizia que se eu esperneasse era pior. Ainda
posso ouvir você me dizer isso. Até hoje, se eu espernear é pior. A vida
é um grande levanta-e-cai. Mãe, obrigada por não ter montado um quarto
cor de rosa para mim. Obrigada por não construir um castelo ilusório ao
meu redor.
Obrigada por ter comprado mais pares de
livros do que pares de brinquedos. Obrigada por me mostrar que o pão
custava muito, que precisava diminuir o tempo no banho para economizar
energia. A vida tem um custo alto, mãe. Ainda bem que você não criou uma
princesa. Eu não saberia fritar um ovo, miojo seria meu prato
principal. Ainda bem que você não sustentou nenhuma vaidade, porque me
fez ver que eu era maior que isso.
Você me criou para o mundo, e este, o
mundo real, não poupa as princesas. Obrigada por não ter me criado para
esperar o príncipe do cavalo branco que resolveria todas as minhas
aflições. A vida quer da gente é peito aberto, coragem e a cara para
bater. Mãe, minha cara está dormente, mas não desisto não. Eu tropeço
tantas vezes e tantas me reequilibro de novo. Mãe, eu mato a barata com
medo mesmo. Eu desafio a esfinge com medo mesmo. Eu encaro o dragão com
medo mesmo. Do jeito que sei e posso. O que não posso, mãe, é negar você
três vezes. Negar o que você me ensinou. Obrigada por não ter criado
uma princesa."